Depoimento: "Há uma clara tentativa de censura na universidade"

O professor Gilberto Maringoni, um dos investigados
por apoiar o lançamento de um livro sobre Lula na universidade,
fala da surreal sindicância interna

Os arroubos autoritários contra o livre pensamento não param de pipocar. Após Débora Diniz, professora da Universidade de Brasília e colunista de CartaCapital, ser obrigada a sair de Brasília para escapar das ameaças de violência física de grupos reacionários contrários à sua defesa do direito reprodutivo das mulheres, três professores da Universidade Federal do ABC tornaram-se alvo de uma sindicância interna surreal.

Os professores de Relações Internacionais na UFABC, Gilberto Maringoni, Valter Pomar e Giorgio Romano, são investigados, a partir de uma denúncia anônima, por apoiar o lançamento de “A Verdade Vencerá”, livro-entrevista do ex-presidente Lula. “Trata-se de evidente tentativa de censura, algo que se julgava oficialmente encerrado desde ao menos 1975, em plena ditadura”, afirma Maringoni.

A associação dos docentes da UFABC saiu em defesa dos colegas. Em nota, a presidente da entidade, Maria Caramez Carlotto, denuncia a “ameaça à liberdade acadêmica e aos direitos políticos constitucionais, uma demonstração dos riscos de perseguição e assédio moral”. A associação, acrescenta, orientou os envolvidos a não responder ao questionário e solicitou uma reunião com a direção da universidade.

CartaCapital: Ficou surpreso com a sindicância?

Gilberto Maringoni: Claro, pois a CGU dá curso a uma investigação sobre o lançamento de um livro em uma universidade. Ou seja, abre-se uma ação persecutória pelo fato de a instituição desempenhar seu papel de difundir e colocar o conhecimento em debate. Trata-se de evidente tentativa de censura, algo que se julgava oficialmente encerrado desde ao menos 1975, em plena ditadura. O grave não é o fato de três professores serem acusados, mas o padrão de ativismo judicial que chega ao serviço público. Isso gera insegurança e envenena o ambiente acadêmico e profissional.

CC: De quem parte a pressão?

GM: A pressão principal parte de grupos de extrema direita dentro e fora da universidade, que acionaram a CGU. Esta encaminha à corregedoria interna o questionário elaborado pelos acusadores, sem filtro algum, para que se proceda a um levantamento de informações. Se você ler o questionário, ficará espantado. São questões surreais e irrespondíveis. Uma das perguntas é se houve "apologia de crime" no evento. Como alguém não familiarizado com leis vai responder? Como um hipotético criminoso responderia? Como alguém que é pego de surpresa em uma situação como esta pode se colocar? Além disso, há tópicos de clara matriz ideológica. Querem saber se houve manifestações de “apreço” a Lula ou de “desapreço” a Temer. Nesse último caso, se for para valer, que se abra processo administrativo contra 97% da população brasileira. Segundo as pesquisas, este é o percentual dos que não tem nenhum apreço pelo golpista.

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CC: Como lidar com a situação?

GM: Primeiro, cabe denunciar e dar publicidade às ações. Contra o obscurantismo, nada melhor que a luz do sol e o escrutínio amplo da opinião pública. Em seguida, buscar solidariedade das associações profissionais, de classe e espaços na mídia democrática. E por último, mas não menos importante, procurar advogados para que se constitua a defesa. É algo sério e que desperdiça tempo e dinheiro, numa conjuntura surreal e persecutória.

"Trata-se de um comportamento rastaquera de quem busca impor sua vontade sem a força dos argumentos"

CC: Como enfrentar essa onda fascistóide que tomou várias instituições e mentes do País?

GM: Faz parte da luta democrática, numa quadra histórica em que a principal liderança política do País está na cadeia sem provas e em que os golpistas tentam dar nó em pingo d'água para não perder as eleições de outubro. Ou seja, a ferocidade hidrófoba da direita e da extrema direita podem aumentar. Mas há uma fragilidade evidente: eles têm dificuldade de alavancar apoio popular.

Nossa tarefa é fazer o que fizemos há quarenta anos, ampliar o leque de aliados e deixar claro que há lógica no caos. Trata-se do comportamento rastaquera de quem busca impor sua vontade sem a força dos argumentos, mas com o argumento da força. Se tiverem sucesso, adentraremos ao império da boçalidade. Mas isso não está dado. Ainda há muita disputa a ser feita até outubro.

(entrevista reproduzida no site de CartaCapital, em 25jul18, aqui: https://bit.ly/2OeOdfv )


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