O mundo engajado da charge na imprensa sindical

O cartunista do SINPRO ABC, Israel Machado é destaque na reportagem

por Milena Buarque - Fepesp

Um acervo formado por mais de 4 mil ilustrações de renomados cartunistas brasileiros sobre a trajetória do movimento sindical no País compõe um dos projetos aprovados na 17ª edição do Rumos, programa do Itaú destinado ao fomento da produção artística. “Traços da Resistência: Organização e Disponibilização das Ilustrações da Oboré Editora” propõe a preservação, a digitalização, a catalogação e a publicação de materiais inéditos de artistas como Laerte, Glauco (1957-2010), Henfil, Chico Caruso, Fortuna (1931-1994), Gilberto Maringoni, entre outros. São sete caixas arquivo de papelão e 18 pastas que incluem charges, tirinhas, histórias em quadrinhos, vinhetas de divulgação e caricaturas.

Charges, tiras e cartuns – que não são a mesma coisa – sempre foram um dos muitos recursos utilizados na comunicação da imprensa sindical. O movimento sindical brasileiro, desde o início do século XX, é pródigo no uso de imagens e ilustrações. O maior cartunista paulistano das primeiras décadas do século XX, o Lemmo Lemmi (1884-1926), mais conhecido por seu personagem Voltolino, teve grande parte de sua produção voltada para jornais, cartazes e panfletos dos trabalhadores.

Na visão de Gilberto Maringoni, político e professor da UFABC, a ilustração não substitui um texto, mas pode ser tão eficiente quanto. “A charge busca sempre a síntese. Ela é um artigo de opinião em formato visual. São linguagens diferentes. Mas pode ser eficiente quando consegue captar com graça e humor determinada situação social ou, no caso sindical, um momento tenso das disputas entre trabalhadores e patrões.”

A forma de comunicação que usa simultaneamente texto, imagem e cor pode ser mais ágil e sugerir diferentes tipos de compreensão. “Ou você ri da proposta ou você se incomoda com ela e isto faz pensar. E pensar sobre uma tira, charge, cartum ou caricatura amplia o nosso grau de compreensão sobre a realidade. E os artistas gráficos, em geral, estão sempre um passo adiante de nós na percepção sobre os acontecimentos”, diz o cientista político Adolpho Queiroz, professor da Universidade Mackenzie e especialista em humor gráfico.

Indo além da recuperação histórica, a publicação do acervo da Oboré assume o sentido de difundir e democratizar uma coleção de textos e imagens essenciais para quem atua nos movimentos dos trabalhadores e com imprensa sindical. Para Queiroz, a produção de ilustrações naquele período contribuiu de forma decisiva para a organização e a politização do movimento sindical daqueles dias. “O sindicato dos Metalúrgicos foi um dos pioneiros na divulgação de revistas, jornais, cartazes e faixas com a utilização de personagens de quadrinhos e deu a grandes artistas, como a Laerte Coutinho, entre outros, a possiblidade da prática de um humor engajado”, conta.

Surgida em 1978 para colaborar com os movimentos sociais e de trabalhadores urbanos na montagem de seus departamentos de imprensa e na produção de jornais, boletins e projetos de comunicação, a estética estabelecida pela Oboré Editora continua atual. No Sindicato dos Professores do ABC e Região, o designer Israel Machado é o responsável pelas ilustrações que acompanham as publicações feitas pela redação.

O cartunista concorda com Maringoni e afirma que, o recurso, ainda que menos utilizado pelos sindicalistas hoje, segue como elemento importante no diálogo com a categoria. “Uma charge não substitui e nem é mais importante que um texto, são duas ferramentas que se somam para melhorar a compreensão das informações. Quando eu vou apenas ilustrar um texto, só leio e tento dar um certo humor à informação. Entretanto, quando vou fazer uma charge em um espaço do jornal já pré-determinado, é como se estivesse escrevendo um artigo que representa a opinião do autor, só que, no meu caso, é desenhado”, conta Israel.

Se o uso do humor aparece como uma ponte entre o autor do texto e o leitor, a familiaridade com o tema é apontada por Maringoni como uma das chaves para uma boa charge. “Não há fórmula para se elaborar uma charge. Às vezes você tem uma boa ideia em cinco minutos e em outras isso demora várias horas. Tem menos a ver com inspiração a seco e mais com familiaridade com o tema tratado. Em situações de crise e contraste entre propostas em disputa, é mais fácil escolher um lado e criticar outro.”

Com a internet e, posteriormente, as redes sociais, o processo de produção artística das charges e cartuns foi acelerado. O novo espaço, o da vívida timeline, possibilitou o surgimento de uma audiência cativa. Tanto Maringoni quanto Machado fazem uso de páginas na internet para a divulgação de ilustrações. “A charge continua desempenhando o seu papel: de informar de uma maneira mais leve e humorada, seja em versão impressa ou digital. A essência da elaboração continua a mesma”, diz Machado.

De dentro de estúdios ou na escrivaninha de casa, os artistas gráficos brasileiros, que seguem fazendo críticas engajadas e gerando reflexões por meio de desenhos, só têm a ganhar – em inspiração e conhecimento histórico – com um arquivo recheado de Laertes, Glaucos, Henfils e Fortunas do acervo da Oboré Editora.


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