*Por Milena Buarque

O presidente da Federação dos Professores de São Paulo, Celso Napolitano, afirmou hoje (22/06) que a qualificação de professores tem sido deficiente no ensino superior privado dominado por grandes corporações, podendo afetar toda a cadeia de formação de profissionais necessários ao país. A afirmação foi feita dentro do cenário de disputa da rede de faculdades da Estácio, uma empresa de educação superior com seus papeis negociados em bolsa de valores, por suas rivais Kroton (a maior instituição de ensino superior privado do mundo, com 1,024 milhão de alunos no Brasil) e a Ser Educacional.

“Cada vez mais um menor número de pessoas vai ter interesse em exercer a profissão de educador. Ou então pessoas com menor qualificação passarão a exercê-la. E isso é muito danoso, principalmente, na formação do ensino básico. As escolas privadas são aquelas que formam um maior número de professores para a rede pública. Se estão formando de maneira inadequada, esses docentes também terão menos condição de ensinar de maneira adequada. Quem perde com isso? A própria formação educacional do país – e o país como um todo”, diz Napolitano.

Depoimento de professora na rede Anhanguera, controlada pela Kroton, confirma tal afirmação: “Nós tínhamos uma expectativa muito grande de melhoria das condições de trabalho. As instituições têm lucrado cada vez mais, mas os investimentos em estrutura física, na figura do professor e na formação básica do aluno têm sido cada vez menor”. O relato é de Paula (nome fictício, a professora preferiu não se identificar temendo represálias) e confirma estudos da Fepesp sobre a lucratividade dos grandes grupos do ensino superior privado.

Em recente estudo sobre a saúde financeira de quatro instituições de ensino superior privado de capital aberto (Anima, Ser, Estácio e Kroton), a Federação divulgou que nos quatro últimos anos, de 2011 a 2015, a receita bruta das empresas cresceu 328%, enquanto as condições de trabalho e os vencimentos dos docentes não avançaram, nem de perto, no mesmo ritmo.

Na visão de Celso Napolitano, dois fatores influenciam o crescimento do ensino superior privado no Brasil: a demanda reprimida e as facilidades de financiamento. “A universalização do ensino médio fez com que um número maior de pessoas estivessem aptas a cursar a universidade. As facilidades em termos de financiamento oferecidas pelo governo federal constituem um segundo fator. Você tem as pessoas dispostas a fazer os cursos, o número de vagas nas federais ainda pequeno e a facilidade do subsídio que propiciou que grupos internacionais viessem para o Brasil e oferecessem cursos a preços convidativos”, explica.

As fusões dos grandes grupos e a elevação de mensalidades acima da inflação fazem da educação superior privada um interessante negócio. “Essas empresas mercantilistas que vêm para o Brasil pouco se preocupam com a qualidade de ensino oferecida. Portanto, pouco investem na qualificação do professor e também procuram diminuir substancialmente o custo fixo. O custo fixo é a mão de obra, ou seja, o salário do docente”, diz Napolitano.

Para a professora da Anhanguera, o descaso é sentido dentro e fora da sala de aula, da ausência de remuneração pelo tempo empregado em correções de provas e trabalhos, por exemplo, à falta de subsídios para participação em congressos. “Como as matrizes curriculares mudam com frequência, o estudo em casa é muito grande. Correção de trabalhos e orientação de TCC demandam um tempo enorme. Esse trabalho praticamente não é remunerado. A solução é o investimento. Oferecer cursos é interessante? Sim, mas precisa de remuneração. Não basta exigir que o professor faça um curso se não há a possibilidade concreta de realizá-lo”, conta.

As declarações de Celso Napolitano e da professora da rede Anhanguera foram parte de entrevista realizada pela rede de TV Novo Tempo, com veiculação prevista para esta semana.

*Milena Buarque é jornalista da Fepesp


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