A Fundação Jorge Duprat e Figueiredo (Fundacentro), órgão do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que destina pesquisas científicas relacionadas à Segurança e Saúde no Trabalho (SST), elaborou uma crítica à matéria do jornal Estado de S.Paulo. A publicação é uma análise sobre o levantamento de que a rede estadual de ensino dá 372 licenças por dia aos professores. O dado mais alarmante é que 27% desses afastamentos é por transtorno mental.

 Leia a análise da Fundação:

A matéria dos jornalistas Luiz Fernando Toledo e Victor Vieira, [publicada no jornal O Estado de S. Paulo de 24/03/16] destaca dados sobre afastamentos de saúde de professores da rede pública estadual paulista, colhidos junto à Empresa de processamento de dados do estado de São Paulo - PRODESP - mediante a Lei de Acesso à Informação. O período investigado foi o triênio 2013-2015.

Os dados apresentados soam alarmantes e impactam por sua magnitude. Foram registradas 136 mil licenças médicas para um conjunto de 220 mil pessoas no ano de 2015. Mais do que um em cada quatro afastamentos de professores por motivo de saúde no estado tem como causa algum tipo de transtorno mental ou comportamental. Com base nessa informação, fica intuitivo perceber que a situação não só é extremamente preocupante do ponto de vista da saúde deste trabalhador, como também constitui ameaça grave à qualidade do ensino em um país que ainda tem muito a avançar em termos educacionais.

Para consubstanciar os dados colhidos, os autores trazem o relato de dois professores acometidos por transtornos mentais no contexto da atividade docente junto às estatísticas de afastamento. O drama vivido por eles e seu sofrimento fica patente na dificuldade de se tratar o tema em termos institucionais, expondo a ferida aberta que a sociedade brasileira ainda precisa enfrentar de modo mais enérgico: as condições de trabalho precárias e o seu efeito sobre a desvalorização destes profissionais e de sua saúde.

Os autores da matéria ainda entrevistam a professora da Faculdade de Saúde Pública da USP, Cláudia Roberta Moreno (especialista em Psicologia do trabalho) e a professora Aparecida Néri Souza, da Faculdade de Educação da Unicamp, para buscar explicações para a origem dos transtornos mentais relacionados ao trabalho dos professores. Segundo as pesquisadoras, a alta carga de trabalho e a desilusão na persecução de metas infactíveis estão entre os motivos do adoecimento mental destes trabalhadores

Para a Fundacentro, contudo, o assunto não é novo; no período 2005 a 2009 a entidade realizou o projeto "Condições de trabalho e suas repercussões na saúde dos professores de Educação Básica no Brasil" e promoveu uma pesquisa de campo que resultou em seis livros sobre as condições de trabalho de professores em seis estados brasileiros, tendo se utilizado a metodologia da ACT (Análise Coletiva do Trabalho), além de um estado da arte sobre o assunto cobrindo o período 1997-2006.

Mais recentemente, a Fundacentro retomou este importante tema e passou a desenvolver o Projeto Saúde dos Professores, que em seu segundo ano de existência vem buscando engajar profissionais afetos à questão e qualificar propostas de pesquisa e intervenção no tema, junto a um extenso grupo de parceiros. O projeto integra a Rede SST, a qual conta com a participação de diversas instituições de pesquisa e universidades, órgãos de governo, órgãos sindicais e patronais. O grupo coordenador do projeto programou a realização de um seminário sobre o tema, no segundo semestre deste ano, no CTN. A data provável do seminário é o dia 14 de outubro, inserindo-se na agenda de eventos alusivos ao 15/04 (Dia do Professor). Na oportunidade, pretende-se inaugurar oficialmente a Comunidade Saúde dos Professores com um repositório inicial já a serviço dos pesquisadores da área.

Nas palavras do tecnologista do Serviço de Ações Educativas da Fundacentro e coordenador do projeto, Jefferson Peixoto da Silva, o seminário "será uma grande oportunidade para apresentarmos aos nossos parceiros e interessados a estrutura que estamos montando para apoiar o fortalecimento do vínculo entre os pesquisadores da temática e, a partir disso, tentar responder a uma inquietação que é quase consensual entre eles, que é a falta de sincronia entre o volume de pesquisas e obras publicadas e a ausência de melhorias nas condições de trabalho dos professores e, consequentemente, de suas condições de saúde".

O grupo pretende também aprofundar a análise da situação dos afastamentos destes profissionais, como forma de trazer uma contribuição original e efetiva. O tecnologista do Serviço de Epidemiologia e Estatística da Fundacentro Ricardo Luiz Lorenzi, colaborador do projeto, comenta o levantamento publicado no OESP:

- "Um período de três anos talvez seja o bastante para sinalizar sobre o problema para população e gestores, mas é muito limitado para se compreender a dinâmica de particularidades importantes do fenômeno e para apontar tendências. A matéria no jornal OESP tem seu mérito e relevância por trazer à tona um problema seríssimo, alertando e provocando a Sociedade como um todo; mas para a construção de indicadores mais precisos e para efeito de intervenções futuras, precisamos de mais elementos. Precisamos saber, por exemplo, quem está em situação mais vulnerável dentro desse grupo. Temos alguns indícios, mas é preciso se certificar e quantificar. Para isso, nós iniciamos contato com os gestores estaduais que nos receberam muito bem e estamos em entendimento para um trabalho conjunto".

Questões importantes como o tipo de vínculo empregatício dos professores - que assim como outros servidores públicos estatutários, estão à margem das proteções conferidas aos trabalhadores de regime celetista - estão na mira do grupo. O projeto pretende induzir a elaboração de políticas públicas estatais específicas, de modo a minorar o número de afastamentos e de adoecimentos dos professores. Isso pressupõe a verificação prévia da efetividade das salvaguardas institucionais atualmente existentes, pois é dentro da institucionalidade de SST que se devem buscar soluções concretas para a construção de ambientes de trabalho mais adequados e saudáveis.


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