Segundo o instituto de pesquisa Ipsos Public Affairs, o Brasil é o 22º num rol de 24 países mais insatisfeitos com sua economia. Piores que o Brasil estão França e Itália; e melhores são Arábia Saudita e Índia (!). De fato existe uma grande desconfiança à política econômica do segundo governo Dilma decorrente da percepção de que a situação econômica do brasileiro piorou, principalmente depois que as ações da operação Lava Jato, da Polícia Federal, colocou no olho do furacão a maior empresa estatal, a Petrobrás. Coloquemos a política econômica atual em perspectiva, e o contexto no qual ela foi forjada, observando as experiências recentes de políticas econômicas adotadas principalmente a partir de 2008, quando do ápice da crise financeira internacional deflagrada na maior economia do planeta, os Estados Unidos. É inegável que nos últimos 10 anos o Brasil avançou consideravelmente no combate à pobreza (+20 milhões de pessoas saíram da miséria), na geração de emprego (+15 milhões de empregos gerados), na ascensão da classe C ao mercado de consumo (mais de 35 milhões) e no controle das dívidas interna e externa. Neste aspecto, a dívida líquida do governo evoluiu 60% do PIB em 2002 para 34% em 2014 (queda de 26 p.p.!); a dívida externa do setor público, no mesmo período, caiu consistentemente de 13,3% do PIB para -17%, tornando-se negativa em função do Brasil ter reservas acumuladas em dólares, que saltaram de US$ 37 bi para 374 bi, ou seja, temos mais a receber do que a pagar. Houve inegáveis avanços econômicos e, portanto, podemos dizer que o “copo andava meio cheio”.

Por outro lado, é verdade também que o país, a despeito dos avanços sociais obtidos, ainda ostenta um dos piores padrões de distribuição de renda do planeta e mantém um ritmo de crescimento econômico raquítico (média de 1,6% nos últimos 4 anos contra uma média de 4% no período 2004-2010). No segundo governo Lula, a inflação média ficou em 5,1% em 2010 e, ao final do governo Dilma, a inflação média foi de 6,2%. De fato a inflação ao final do governo foi praticamente similar nos dois governos, indicando que o poder de compra dos salários não sofreu forte corrosão neste período, principalmente se considerarmos que mais de 95% das categorias profissionais tiveram reajuste de salário com base na inflação passada. Mas, no início do novo governo, a inflação retomou fôlego em razão do reajuste de preços públicos (água, luz, combustível etc) e da disparada do dólar (ainda que sob o efeito de muita especulação de investidores); a taxa de emprego não só parou de subir como passou a apresentar queda (construção civil, setor automotivo, indústria etc). Podemos dizer então que o “copo tem andado meio vazio”.

Crise internacional e os caminhos trilhados

Em 2008, a crise internacional colocou o governo brasileiro numa encruzilhada cujo caminho a seguir seria adotar políticas mais restritivas de ajustes (corte de gastos públicos, suspensão de programas sociais, aumento de impostos), impondo sacrifícios em termos de emprego e renda; ou então optar por uma estratégia de incentivos fiscais (desonerações tributárias, como IPI, INSS sobre a Folha de Pagamento) e crédito barato via BNDES para compensar os efeitos da queda da demanda internacional por produtos brasileiros, procurando assim estimular a demanda e produção internas. A estratégia dos governos Lula e Dilma foi estimular o mercado interno para se evitar uma recessão indesejada (em 2009 a PIB caiu “apenas” 0,6%). A partir do Governo Dilma, a estratégia foi lançar mão de uma política fiscal expansionista por meio do aumento de gastos públicos e desonerações fiscais que permitissem às empresas pagarem menos impostos e, assim, manterem o nível de produção e emprego e viabilizar os investimentos para atendimento da demanda interna, já que a externa havia se reduzido fortemente por conta da crise fiscal dos países europeus e dos Estados Unidos. O menor ritmo de crescimento desses países, e a desaceleração da economia chinesa, diminuiu a demanda por produtos primários brasileiros e os setores exportadores nacionais foram compelidos a buscar oportunidades no mercado interno.

A utilização da estratégia de estímulos fiscais teve efeito limitado, pois os objetivos foram parcialmente alcançados. Se por um lado houve manutenção da renda e do emprego, por outro o ritmo de expansão econômica ficou muito aquém do desejado, pois as empresas acabaram por entesourar os ganhos obtidos com as desonerações fiscais e não ampliaram os investimentos. A contribuição da Formação Bruta de Capital foi negativa em 2012 e 2014 (-1,63% e -2,1%); e em 2011 e 2013 variou um pouco mais de 2%. Assim, foi preciso apostar no lado da demanda para se evitar uma recessão mais grave (copo meio cheio).

Novo caminho para a política de desenvolvimento

Governo “novo”, problemas velhos! O cenário de turbulência econômica não deve ser minimizado, mas deve ser relativizado. O PIB, que é o conjunto de bens e serviços produzidos pelo país, está hoje em torno de R$ 5,5 trilhões. Este valor é resultado da ação de mais de 12 milhões de empresas e 110 milhões de trabalhadores. O modelo econômico do governo petista faz um diagnóstico coerente de que expandir o PIB depende do estímulo ao mercado interno. Assim, duas frentes são importantes: melhorar o ambiente de negócios, estimulando o investimento privado, e garantir e ampliar as conquistas sociais para melhorar a produtividade do trabalhador e sua renda. Melhorar o ambiente de negócios e garantir emprego e renda exige uma finança pública ajustada, sem a qual o governo acumularia déficits e diminuiria sua capacidade de investimento. Isso aconteceu quando o governo represou tarifas públicas por muito tempo. Se por um lado permitiu manter a inflação baixa, por outro diminuiu a capacidade de investimento das empresas públicas (Petrobrás e Eletrobrás). O realinhamento de preços agora se torna necessário para recuperar a capacidade dessas empresas de retomar seus investimentos na geração de energia. Do lado das receitas, a recomposição de arrecadação por meio do fim das desonerações é necessária porque agora não se justifica manter política de estímulo que não ampliou os investimentos no montante necessário para garantir crescimento mais robusto do PIB.

Além das tradicionais reformas propaladas como fundamentais (política, tributária, previdenciária etc), o ajuste das finanças depende diretamente do fim das elevadas taxas de juros praticadas pelo Banco Central. Está aqui o principal problema da gestão da política econômica atual: aumentos de juros desaquecem a economia, represando poupança em títulos do governo; o investimento em produção cai porque o dinheiro torna-se escasso e caro; amplia-se o desemprego e reduz-se o consumo, retroalimentando a queda de produção, do emprego, da renda e do consumo. O resultado é queda da atividade econômica e do PIB. Assim, a política de ajuste atual deve ter data de validade. É preciso iniciar o processo de queda da taxa de juros Selic, a exemplo do que fez o próprio governo Dilma no início de seu governo.

O mito de que juros reduz a inflação

Avaliar a situação macroeconômica exige uma reflexão equilibrada para identificar os ganhos e as perdas obtidos até agora. A ciência econômica, por ser uma ciência social, é campo fértil para interpretações de todo tipo. Alguns mitos comuns que permeiam a mídia em geral diz respeito, por exemplo, de que a elevação da taxa de juros – Selic – é eficaz para combater a inflação, bastando o Banco Central elevá-la para que a inflação ceda. Assim, os mercados reagem positivamente e se encarregam de retomar o otimismo e realizar os investimentos necessários. O problema é que o otimismo dos mercados nem sempre vão ao encontro dos interesses de longo prazo da nação. Elevação de juros torna o dinheiro mais caro e inviabiliza o investimento produtivo, aquele que efetivamente gera emprego e renda. Institui-se assim uma cultura rentista na qual aumento dos juros funciona como droga, tornando os pacientes (credores do governo – poucos investidores pessoa física, bancos e empresas) mais dependentes dos ganhos financeiros. Por outro lado, basta o governo anunciar a queda da taxa de juros que a gritaria é generalizada. Só em 2015, numa previsão conversadora, o país pagará mais de R$260 bi de juros da dívida pública e aproximadamente R$1 trilhão a título de amortização. Essa conta, cujos credores não passam de 5 milhões, representa mais de 10 vezes o valor investido no Programa Bolsa Família (R$25 bi), cujos beneficiários somam mais de 45 milhões! Assim, os mesmos 5 milhões de credores que recebem boa parte desses juros são os mesmos que criticam os programas sociais por supostamente estimular a indolência e o ganho “fácil”. Uma explicação sociológica para esta contradição é que beneficiários de programas sociais são perceptíveis aos olhos da sociedade; os credores do Estado estão recebendo silenciosamente os recursos que fluem do orçamento público para os cofres privados. Em síntese, essa política tem promovido um paradoxal conflito entre produção e rentismo (não confundir com renda), em que o próprio governo estimula os ganhos fáceis em detrimento dos ganhos com a produção e emprego. Infelizmente esta lógica vem persistindo desde o início da década de 2000, e não há indícios de estejamos próximos de uma inflexão. Curiosamente, a crítica generalizada ao Governo atual ocorre exatamente pelas razões erradas. No sítio do Tesouro Nacional há oferta de título que remunera 11% líquido ao ano. Numa conta simples, se um investidor comum investir 1.000 por três anos, ele receberá ao final do período R$ 1.368. Pouco? Então pensemos nos principais bancos do país, quando um deles apresentou lucro de R$ 5 bilhões em 2014. Ao aplicar este valor no mesmo título, o banco receberá, sem fazer absolutamente nada, R$ 1,8 bilhão ao final do período! Um autêntico duto de recursos do setor público para o setor privado. Essa conta acaba por neutralizar, se não agravar, todo e qualquer esforço fiscal realizado pelo governo às custas de investimentos sociais (educação, saúde, saneamento, infraestrutura etc).

Retrospecto do juros e efeitos sobre o crescimento

Recentemente o BC decidiu pela elevação da taxa de juros de 12,75% para 13,25%. Esta taxa já chegou a 49% ao ano em 2000, quando o país mudou a política econômica com o fim do regime de câmbio fixo. No início do governo Lula (2003), a taxa era de 23% e chegou a 26% ao final do ano. A partir de 2004 a taxa cai constantemente até chegar a 9% no início de 2010. Depois de elevar a taxa no decorrer do ano, o Banco Central reduz a taxa ao seu menor nível histórico em fevereiro de 2013 (6,1%). A partir de 2013, o governo retoma a elevação da taxa sob o argumento de conter a inflação, mas a inflação saltou de 5,9% em 2010 para 6,41% em 2014 e o PIB não parou de fraquejar. Ou seja, o alcance dos juros para combater a inflação está se mostrando ineficaz para conter o aumento de preços e retomar o crescimento. Para tornar este raciocínio mais simples, vamos utilizar o exemplo de um copo com água. O copo representa a quantidade de bens e serviços na sociedade, e é resultado do esforço laboral empreendido pelas empresas, trabalhadores e governo. O nível da água representa a demanda. Para produzir, as empresas contratam trabalhadores e recursos produtivos (capital, máquinas, equipamentos, recursos naturais etc) e os conjugam para gerar bens e serviços. Ao produzi-los (nível do copo), as empresas remuneram os trabalhadores na forma de salário, cuja destinação pelos trabalhadores será na aquisição desses próprios bens e serviços (nível da água). Gera-se assim um ciclo virtuoso produção-consumo-investimento-mais produção, contribuindo para o crescimento econômico (ampliação do copo e do nível da água). Uma boa política econômica viabiliza a expansão do copo (investimento, produção) e do nível da água (renda, consumo, demanda agregada). Se o copo é maior que o nível da água, dizemos que há superinvestimento (caso da China); se é menor, dizemos que há sub-investimento, tornando a demanda maior que a oferta de bens e serviços (caso da Venezuela). O Brasil está numa situação na qual tanto o copo quanto o nível da água estão estagnados, com ligeiro aumento da água sobre o copo (inflação). A saída são duas: ou se amplia o copo ou se reduz o nível da água. A primeira, ampliar o copo, implica em ajustar a política econômica para reduzir o custo do dinheiro (juros) e viabilizar os investimentos, adotar medidas de racionalização tributária, melhorar o ambiente de negócios (menos burocracia) e aumentar a produtividade do trabalhador (mais e melhor educação para todos). A segunda, reduzir o nível da água, implica em adotar política restritiva que reduz a demanda agregada (corte de investimentos públicos, redução de benefícios sociais, limitação do aumento do salário mínimo), o que cria um circulo vicioso de estagnação, desemprego e queda de produção. Levada ao extremo, esta política pode provocar até queda do próprio nível do copo, deixando pelo caminho muitos mortos e feridos. Assim, o dever de todo e qualquer governo deve ser o de ampliar o nível do copo e o nível da água. A política de juros atual rema contra esta estratégia. Ela deve ser temporária, apenas para sinalizar um compromisso do governo com a estabilidade, mas não pode ser uma política de “o rabo abanando o cachorro”. Ela produz vícios privados (rentismo), desestimula a produção, gera desemprego e insegurança social, reduz as conquistas sociais já obtidas, produz recessão indesejada e, pior, não atinge plenamente seus objetivos, o de reduzir a inflação e o de reconquistar a confiança do brasileiro na economia do país.

Volney Aparecido de Gouveia

Professor de Economia da Universidade Anhembi Morumbi, Universidade Municipal de São Caetano do Sul, Centro Universitário Instituto Mauá e Centro Universitário Fundação Santo André.

Mestre em Economia e Pós Graduado em Educação do Ensino Superior


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