Terceirização sem limite e sem-vergonha*

Por Silvia Barbara**

O projeto de lei 4330 se propõe a “regulamentar a prestação de serviços terceirizados”, mas está longe disso. O que faz, isto sim, é promover uma reforma trabalhista sem alterar a CLT. O pulo do gato está na criação de uma nova modalidade de contratação flexível como alternativa ao modelo celetista de contratação direta.

A coexistência destes dois modelos criaria dois grupos de trabalhadores – os com direitos e os sem direitos. Isto porque o novo formato inverte a lógica do Direito do Trabalho, dando proteção aos empresários e transferindo o ônus do negócio ao trabalhador.

A proposta
Quando se fala em terceirização pensa-se logo em serviços específicos com duração determinada, como a pintura de um imóvel, por exemplo. Ou ainda, a execução de um produto altamente especializado. As montadoras, como o próprio nome diz, produzem automóveis a partir de autopeças produzidas por outras indústrias.

O projeto de lei 4330 permite a contratação terceirizada de qualquer atividade e em caráter permanente. Em tese, uma empresa poderia funcionar sem nenhum empregado contratado diretamente. A proposta cuida de assegurar a inexistência de vínculo empregatício entre a empresa contratante dos serviços e o trabalhador, ainda que ele execute a atividade por muitos anos.

A relação de emprego seria mantida entre o empregado e a empresa prestadora de serviço, como já supostamente ocorre no setor de limpeza. O problema é que a terceirização não estimula o vínculo e sim a rotatividade, com contratação precária e por tempo determinado.

As empresas de limpeza, por exemplo, são useiras e vezeiras em manter empregados por, no máximo, 90 dias. Findo o prazo, o trabalhador é desligado sem indenização. Uma vez aprovado, o PL 4330 vai estimular ainda mais esta prática, na medida em que permite a contratação por prazo determinado, sucessiva e indefinidamente.

A terceirização sem limites pode também gerar um outro subproduto: os empregados podem ser coagidos a abrir uma empresa para prestar os serviços que antes realizavam como assalariados. A pessoa física se transforma em pessoa jurídica. A relação assalariada passa ser uma relação comercial e a CLT é substituída pelo Código Civil.

Ao tentar simular uma certa “proteção” aos trabalhadores, o PL 4330 chega a ser risível, Um dos artigos (art. 13, §3º” do substitutivo apresentado na CCJ) proíbe a redução da multa de 40% do FGTS em caso de demissão nas empresas terceirizadas.

Ora, esta garantia é duplamente inócua. Em primeiro lugar, a multa de 40% é um direito constitucional e como tal, não pode ser reduzido ou suprimido pelo patrão. Por outro lado, o próprio PL 4330 dá a receita pra não pagar a multa: como se viu anteriormente, basta firmar sucessivos contratos por prazo determinado. Assim, o trabalhador pode permanecer durante anos na empresa e sair com uma mão na frente e outra atrás!

Em suma, o que o PL 4330 faz é dar segurança jurídica às empresas que hoje contratam à margem da lei e se arriscam a levar um processo trabalhista nas costas. Vale tanto para o pequeno negócio que presta serviços de limpeza como para as redações de grandes jornais ou editoras que se recusam a registrar seus jornalistas.

O modelo de terceirização que está em votação, além de sem limite, é muito sem-vergonha!

* Este artigo foi reescrito a partir de ideias da autora publicados em trabalhos anteriores.

** Professora de Geografia, diretora do Sinpro-SP e da Fepesp.


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