Ministro Cid Gomes (Educação) faz um relato da educação no País e fala sobre os principais desafios

A entrevista do ministro da Educação, Cid Gomes, está no Caderno EU& fim de semana (Jornal Valor Econômico) - leia a íntegra abaixo

Por Raquel Ulhôa e Rosângela Bittar

O ministro da Educação, Cid Gomes, prepara um plano completo e público para ser divulgado daqui a três meses, mas, nesta entrevista ao Valor, dá as indicações do que conterá: "Lei é lei, tem que ser cumprida", diz, referindo­-se ao grande número de determinações aprovadas nessa área. Ou seja, as metas do Plano Nacional de Educação serão consideradas em sua gestão, além das promessas feitas em discursos. Prioridade absoluta à educação básica ­ particularmente ao ensino médio; aperfeiçoamento dos mecanismos de avaliação; uma ideia novíssima de criar o Enem on­line; e a transformação em programas do slogan "Brasil, pátria educadora", apresentado pela presidente Dilma Rousseff no seu discurso de posse. Mérito e qualidade são as palavras de ordem.

O ensino básico é uma atribuição de Estados e municípios, e aí terá que entrar a capacidade de articulação política do ministro com os diferentes partidos que elegeram governadores e prefeitos. Principalmente para buscar algo até agora intangível, a qualidade do ensino. Ex­-prefeito de Sobral e ex­-governador do Ceará, Cid teria se credenciado ao ministério por haver realizado um bom trabalho na educação básica, conquistando índices crescentes de qualidade para o Estado. No ensino superior, teria fracassado, mas a prioridade do governo continua sendo o nível de educação em que tem melhor experiência.

Cid assumiu o cargo com questões sensíveis a lidar, como o anúncio do piso dos professores, as notas zero de redação no ensino médio e as polêmicas em torno do Fundo de Financiamento da Educação Superior (Fies), cujas regras foram alteradas em dezembro e provocaram protestos entre os empresários do setor. Para tratar do tema, delegou atribuições a Luiz Cláudio Costa, seu secretário-­executivo.

Na opinião do ministro, o significado do lema do governo, numa simplificação, é que a educação não é tarefa só do seu ministério, mas um conjunto de desenvolvimento de valores éticos, morais, profissionais. Assim, um dever de todas as áreas do governo. O ministro soube do "Pátria educadora", e foi surpreendido, junto com todo o público que ouviu o discurso da presidente. Não foi avisado antes.

Um dos programas que o entusiasmam, ainda em formulação, é a instituição de avaliação dos diretores de escola, medida financeiramente mais viável do que uma avaliação de todos os professores, por serem em menor número. A formação do diretor, na opinião do ministro, tem reflexo no rendimento dos alunos. O diretor precisa entender de educação, currículo e gestão. Cid defende também que seja feita a Lei de Responsabilidade Educacional, para regular o Plano Nacional de Educação e estabelecer responsabilidades federais, estaduais e municipais.

Cid mostra-­se tão loquaz quanto seu irmão Ciro, o político da família conhecido nacionalmente, mas exibe um nível maior de pragmatismo, característica que desenvolveu na ação executiva, como prefeito e governador.

Valor: A educação já teve vários slogans, como "Educação ­Prioridade 1", "Prioridade das prioridades", "Mais educação", "Governo da revolução educacional". O senhor já sabe qual é o significado do novo lema, "Brasil, pátria educadora"?

Cid Gomes: Não tive nenhum release explicando o que é. Mas, para mim, é uma coisa meio óbvia, da sequência de um governo. O Lula focou na questão do combate à fome. Dilma, no primeiro governo, foi num pente fino em combate à miséria. Você pode até encontrar um ou outro miserável, mas não é por falta de políticas, de assistência, de garantia de renda. Acho que a sequência natural, depois de extinguir a miséria, é o caminho da educação.

Valor: Parece querer dizer algo maior do que a educação formal, mas não se sabe o quê...

Cid: Compreendo o slogan como muito mais amplo. Inclui formação de valores, principalmente éticos e morais. É a minha interpretação.

Valor: O senhor sabia do slogan antes de ser lançado pela presidente?

Cid: Não sabia.

Valor: Soube de maneira igual a todos os mortais?

Cid: Quando ela me convidou, disse: "A educação vai ser a prioridade das prioridades". Usou essa expressão. Mas, repito, entendo o slogan para muito além da educação formal, da educação na escola. Tem meta para várias outras áreas, que não são a educação formal. Estou falando de ética, moral, costumes, uma série de coisas que estão embutidas nesse conceito mais amplo de "Pátria educadora". "Não vou mais discutir sexo de anjo. A meta está definida. Em matéria de universalização, é focar na pré­-escola e no ensino médio"

Valor: Como o governo promoveria o alcance dessas metas fora da educação?

Cid: Educação é um caminho, mas é possível pautar uma série de questões éticas, morais, de costumes, família. Uma série de valores que o governo pode estimular e inverter a lógica de alguns outros conceitos que são meio inerentes ao Brasil tradicional, como "levar vantagem em tudo", esperteza. Penso que "Pátria educadora" é uma coisa maior do que educação formal e inclui essas outras coisas todas. Um exemplo é o Ministério da Saúde discutir a questão do parto normal. Estou querendo repartir a responsabilidade. Não quero que o slogan do governo fique concentrado no meu ministério.

Valor: Como é sua relação com a presidente?

Cid: Tenho total intimidade. Acho que por isso é que ela gosta de mim. Às vezes coloco coisas que incomodam e que pouca gente tem coragem [de colocar]. A minha relação com a Dilma começou com um desentendimento.

Valor: Quando?

Cid: Ela presidente e eu, governador. Foi em uma reunião em Salgueiro, Pernambuco. O tema era a [ferrovia] Transnordestina. Eu via que o eixo do problema era um, mas a reunião estava encaminhando para outros. Insisti na minha ideia e ela disse: "Não, não quero falar sobre isso agora". Continuei e disse: "Mas esse é o problema". Aí ela foi mais áspera. Levantei e saí. Mas, enfim, ela começou a me respeitar a partir daí.

Valor: Pretende manter essa relação de franqueza com ela?

Cid: Claro. Costumo agir com os outros como gostaria que agissem comigo. Tenho pavor a babão e bajulador.

Valor: Na educação formal, os gargalos são os mesmos, sai governo, entra governo. É a adequação dos currículos, a dificuldade de aprendizagem, o dilema do ensino médio, a formação e remuneração justa do magistério.

Cid: Me permita discordar. Acho que o Brasil avançou muito nas últimas décadas. Mas avançou muito mesmo.

Valor: Em quê?

Cid: Em universalização. Acha pouco?

Valor: A expansão se deu em detrimento da qualidade, em todos os níveis. Ninguém conseguiu equilibrar as duas metas.

Cid: O ideal é universalização com qualidade. Ululante. Mas o que é melhor: qualidade absolutamente restrita, elitista, ou universalidade com deficiências? Se só tivesse essas duas opões, optaria por universalidade com graves deficiências.

Valor: Mas a universalização do ensino fundamental já não é uma conquista antiga?

Cid: Vírgula...

Valor: No ensino fundamental?

Cid: No fundamental, sim. Mas temos ensino infantil e hoje está ficando mais fácil definir prioridades, porque começamos a ter metas e leis chancelando essas metas. Está aí, no Plano Nacional de Educação, dizendo que a gente tem que universalizar a pré­-escola até o ano que vem. Temos dois anos. Sou engenheiro. Para mim, o fundamental é que tenha meta claramente definida. Não vou mais discutir sexo de anjo, se é mais importante universalizar o ensino médio, ou fazer primeiro o pré, ou se tem que fazer antes a creche. A meta está lá definida. Em matéria de universalização, é focar na pré­-escola e no ensino médio também.

Valor: O ensino médio continua com indicadores ruins?

Cid: A qualidade, você tem que buscar em tudo. Mas, se você for ver como está a evolução, nos anos iniciais do ensino fundamental, o Brasil tem tido significativas melhoras. E "cases" de sucesso ­ aí, perdoem a vaidade ­ que mostram que é possível ser feito, com todas as dificuldades.

Valor: O senhor está falando de sua experiência em Sobral?

Cid: Em Sobral a gente conseguiu chegar no quinto ano, que reflete muito a alfabetização, um Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica] de 7 ,8. Isso é melhor do que a média da escola privada paulista, onde estuda a elite quatrocentona de São Paulo. É possível, vamos por etapas. Quero sempre, no desafio, procurar uma experiência que seja replicável e financeiramente viável.

Valor: Muitos especialistas acham que o problema da educação e da saúde nunca foi dinheiro. É gestão? Com o governador Paulo Câmara, de Pernambuco: "Foi uma viagem ótima, uma ruma de símbolos"

Cid: Minha visão para saúde e educação é nem tanto ao céu nem tanto à terra. Dinheiro é fundamental. E olha que eu sou o cara que defendeu a história do "por amor" ­ embora mal situada. No serviço público, você tem que ter vocação, amor.

Valor: Existe uma história do "por amor"?

Cid: Foi como apareceu nas críticas que os sindicalistas me fizeram. Deturparam. Eu era governador e o que disse é que nós, servidores públicos ­ professores públicos, médicos, vereadores, prefeitos, governadores ­ temos que ter, acima de tudo, vocação e amor ao que fazemos. É claro que dinheiro é importante, mas se não tiver amor, dedicação, vocação... Um dia desses, o ex-­presidente do Uruguai disse a mesma coisa: "Quem quer ganhar dinheiro vai para iniciativa privada".

Valor: Sua primeira medida no ministério foi o aumento do piso dos professores, não?

Cid: Felizmente para mim. O magistério teve um percentual de [reajuste] 13%. Se botar a inflação de 6,5%, estamos falando de um ganho real de 6,5%.

Valor: Os municípios terão condições de pagar?

Cid: Têm. Se organizar, têm. O que chamo organizar? Primeiro, buscar uma relação professor­-aluno razoável. Isso significa, muitas vezes, vencer o clientelismo, que faz com que você tenha uma quantidade de professores que não é razoável, racional, recomendável. Se não tem uma relação professor­-aluno razoável, não tem dinheiro nenhum no mundo que consiga pagar. É preciso um plano de cargos e carreira racional. Não faz sentido manter vencimento básico e em cima disso incidir uma série de gratificações, grande parte delas universais.

Valor: Os municípios do interior também têm professor demais?

Cid: Não dá para me enganar, para vir com conversa de trancoso, dizer que vai quebrar o município. Calma aí, já fui prefeito. Para cima de mim, não. Fui governador e tem hora que tem que enfrentar sindicato. Não estou falando de teoria. É preciso nuclear a escola.

Valor: Nuclear é exatamente o quê?

Cid: No entorno de uma região, em vez de ter dez escolas, faz uma. Melhora, amplia, seleciona um bom diretor. Aí, vão entrando outras coisas. Mas, para ficar só na questão do piso, você tem que buscar uma relação professor­-aluno que seja razoável.

Valor: Existe essa conta?

Cid: Existe por nível. Uma creche é um para oito. Uma pré­-escola, um para 20. No fundamental, vai um para 30 nos anos iniciais, depois vai para 40.

Valor: O que tem hoje no país está muito acima disso?

Cid: Pode ir atrás. Onde tem dificuldade de pagar, um dos problemas existentes é esse: relação professor-aluno baixa.

Valor: Se o município não tiver recursos para pagar o piso?

Cid: Esse discurso, para mim, não cola de jeito nenhum. É lei. A lei diz que é o percentual de variação do per capita entre 2013 e 2014. Isso é 13,01%. Não tem o que discutir. Para a frente eu vou poder ter algum protagonismo. Agora, tenho zero. A lei só diz que tenho que baixar uma portaria e o critério é esse.

Valor: O senhor está admitindo rediscutir à frente o critério do piso?

Cid: Reconheço que há uma discussão anterior à minha chegada e me comprometo com [a decisão de] o ministério estimular essa discussão. Há uma lei que diz o seguinte: temos dez anos, ou nove e alguns meses, para fazer com que o salário dos professores, profissionais de nível superior de pedagogia, chegue à média dos salários dos profissionais de nível superior de outras profissões. Hoje, é 60%. Quer dizer, era. Com esse 6,5% de ganho real, passou a ser 67 % ­ quer dizer, 2/3 do que é a média.

Valor: Vencida a questão do piso, qual deve ser o passo seguinte?

Cid: Tem aí uma ideia que acho razoável e devo procurar implementar: em vez de deixar municípios e Estados sofrendo dificuldades para fazer concurso, o ministério poderia fazer, periodicamente, grandes avaliações destinadas a educadores, voluntários. E, por meio de alterações na legislação, permitir que Estados e municípios possam aderir a essa avaliação como se fosse um registro de bons professores. E contratar. Isso vale como concurso público. O que quero propor logo também é avaliação de diretor, porque é mais viável financeiramente. De professor, estamos falando de dois milhões e cem. Qualquer custo que você agregue aí vira bilhões muito rapidamente. O número de diretores é mais limitado, acho que dá para fazer com recurso do próprio ministério.

Valor: Como será buscada a qualidade?

Cid: Onde é o maior desafio de qualidade? No ensino médio. Acho que o desafio da qualidade do ensino médio já se coloca quando você, nos anos finais do ensino fundamental, já segmenta. As disciplinas são mais ou menos as mesmas e já há a separação de professores. Não é um professor sozinho que dá português, ciências e matemática. Muito parecido com ensino médio. Então, tem que priorizar os quatro anos finais do ensino fundamental e os três do ensino médio, buscando qualidade.

Valor: Questões que não dependem do governo federal, mas dos estaduais e municipais.

Cid: A complexidade é que o ministério só tem 2% das matrículas do ensino médio no Brasil e são as melhores. Não pode cobrar nada do ministério, enquanto gestor, provedor.

Valor: Aqui entra o político Cid Gomes para articular com todos os governos de diferentes partidos?

Cid: Esse é o papel mais relevante do ministério. O maior desafio do ministério é se articular com sistemas estaduais e municipais e buscar qualidade, universalização ­ ainda nas duas pontas ­ e qualidade no ensino básico. Esse é o grande desafio.

Valor: Desde que foram criados os sistemas de avaliação da qualidade, ainda no governo PSDB, já se descobriu que o aluno tem dificuldade de aprender português, matemática e ciências. O senhor melhorou os índices do Ideb na sua cidade. O que fez?

Cid: Foi o foco na alfabetização. Se você alfabetiza bem, no tempo certo, óbvio que tudo fica mais fácil. Sobre a parte dos municípios: "Não dá para me enganar, dizer que vai quebrar. Calma aí, já fui prefeito. Para cima de mim, não"

Valor: Como vai financiar as ações que considera necessárias?

Cid: Há uma previsão legal de ampliação de recursos para a educação. E isso deve ser feito priorizando, a meu juízo, o ensino básico. Acho que temos que equalizar no Brasil o ensino superior público, porque há uma disparidade. Tem lugares com uma taxa de ensino superior por dez mil habitantes e outros lugares com taxa muito menor. A gente deve equalizar. Não estou querendo desprezar o ensino superior, mas o foco e o grande desafio é o ensino básico.

Valor: Em discursos, a presidente assumiu alguns compromissos...

Cid: A presidenta tem as prioridades que colocou publicamente: primeiro, valorização do professor, e isso significa dinheiro e formação, a meu juízo. A segunda prioridade colocada por ela é ampliação da oferta de vagas em creches, que é de zero a três anos. Outro compromisso é ampliar a oferta de matrícula em tempo integral. Um quarto ponto colocado por ela é a revisão do currículo do ensino médio.

Valor: Pretende­-se voltar ao currículo mais profissionalizante?

Cid: Segmentar, diversificar. Tem o modelo americano, que tem uma parte básica e as outras são opcionais. Vou chamar todo mundo para começar uma discussão. Esse é um tema que deve demorar.

Valor: Em quanto tempo o senhor vai ter um plano pronto para determinar as prioridades do ministério?

Cid:Um plano público de todas as prioridades, em três meses.

Valor: Sua primeira viagem como ministro foi a Pernambuco, exatamente de onde saiu a candidatura presidencial de Eduardo Campos, de quem o senhor discordou, desligando­-se do partido, o PSB, para ingressar em seu quinto partido. Essa viagem foi retaliação?

Cid: Para mim, foi uma viagem ótima, porque ficou uma ruma de símbolos. Foi minha primeira visita. Quero toda semana fazer pelo menos uma visita. Fui a Pernambuco. Primeiro, porque tem a lógica de ver boas experiências. Simbolicamente, qual é o melhor desafio? Qualidade no ensino médio. Fui ver os dados do Ideb, de 2011 e 2013. Onde houve a maior evolução? Não é que seja o melhor do Brasil, mas que evoluiu mais. Foi Pernambuco, de 2011 para 2013. Fui saber a que eles atribuem a evolução. Eles atribuem à ampliação da oferta de matrículas em tempo integral. Aí passei o simbologismo também de que educação não tem política. Recentemente, o maior impasse político que pessoalmente enfrentei foi sair do PSB. Lá é o berço do PSB. Governado pelo PSB. Fui lá encontrar com o prefeito e o governador [Paulo Câmara], a quem pedi que exerça o papel de liderança e mediação do ministério com os municípios, além de seu papel estadual. É outro simbologismo.

Valor: O senhor parece ter um elenco de símbolos que conduzem sua ação.

Cid: Há outros: não querer descobrir a roda, de querer conhecer boas experiências, e ver se são universalizáveis. Porque boa experiência que não é multiplicável é conversa fiada, embromação, demagogia, mentira. Experiência boa é a que dá resultado, mas pode ser replicável. O ministério poderia fazer aqui em Planaltina (perto de Brasília) a melhor creche do Brasil, botar os tubos de dinheiro. O menino sai da creche falando dois idiomas. Mas isso é replicável?

Valor: O senhor já tem conhecimento de como está a situação nas universidades federais?

Cid: Essa é uma discussão para o país. Não vou virar a palmatória do mundo. Tenho agendas mais importantes, mais emergentes, digamos assim.

Valor: Como é a ideia de um Enem on­line?

Cid: O Enem são cinco áreas: redação, linguagens e códigos [português e uma língua estrangeira], matemática e suas tecnologias, ciências da natureza [física, química, biologia] e ciências humanas. Se tiver um banco de dados, quesitos para as quatro áreas ­ fora redação ­, validados, checados, passados por comissões de notáveis, isso pode virar um banco público e ser roteiro de estudo para os alunos. Ter um banco é o primeiro passo. O segundo passo é, em vez de repetir a operação de guerra, Brasil inteiro, tudo na mesma hora, mesma prova, no mesmo dia, pensar na criação de algumas salas seguras, com terminais de computadores e fiscalização. A pessoa vai lá. Não precisa ser naquela hora específica. Como estão num banco de dados, as perguntas vêm aleatoriamente. Você está fazendo uma pergunta aqui e seu vizinho está numa prova diferente da sua.

Valor: A educação transformou-­se em um forte negócio, com ações em bolsa, por isso mais sensível às mudanças bruscas de regulação, como houve recentemente no caso do financiamento de curso superior privado. O governo vai recuar dessas modificações das regras?

Cid: Sou ministro a partir de 1º janeiro. Fizeram duas portarias em dezembro. Uma estabelece um padrão mínimo, que é algo ­ a meu juízo ­ absolutamente correto. Uma nota mínima. A avaliação é o Enem. Se tirar menos de 450 em qualquer uma das matérias e zerar em redação, não tem financiamento. Outra portaria diz respeito ao problema de orçamento do Fies, que era bem inferior ao que de fato se praticou. No ano de 2013, tivemos menos de 400 mil e esse número explodiu em 2014, foi para 7 00 e tantos mil inscritos. O orçamento não previa isso. O que fizeram foi equalizar uma forma de pagamento que, na prática, botou para a frente um trimestre. Como é um assunto que já peguei andando, disse ao Luiz Cláudio, secretário ­executivo, que ficasse com o tema.

Valor: O senhor não vai receber as empresas?

Cid: Para tratar desses assuntos é o Luiz Cláudio. Qualquer coisa para a frente, óbvio que estou às ordens.

Valor: Em tese, o senhor acha que tenha de ser revisto algum critério?

Cid: Em tudo na educação, mérito e qualidade devem ser palavras de ordem. Isso é um financiamento, a pessoa vai pagar. Mas acho que a gente tem o dever, como avalistas, de primar por qualidade. Vou defender que tudo que tiver de demanda para cursos bons, a gente aceite. O ministério avalia todos os cursos e dá nota. A nota é de zero a cinco. Curso que tem avaliação cinco, quem quiser ir, bancamos. Agora, essas arapucas... estamos enganando a pessoa, o pobre coitado está na ilusão de que está fazendo o curso e vai ficar só com a dívida.

Valor: Houve um boom do negócio a partir desse Fies, com uma determinada regra. Agora é outra, e a perda das empresas na bolsa está por volta de 30%. Está certo?

Cid: Eu lhe asseguro o seguinte: os recursos investidos nessa área serão sempre crescentes. Nunca teve previsibilidade. É um programa que estava disponível, e cresceu permanentemente. Tem muita especulação. De bolsa eu não entendo.

Valor: O Plano Nacional de Educação até 2023 prevê atingir muitas metas. Por exemplo: universalização de 85% do ensino médio. Ano passado estava em 52%. O senhor considera essas metas ou haverá outras? Cid: Lei é lei, tem que ser cumprida. São necessários ajustes até metodológicos, de conceitos, estatística, que precisam do Congresso.

Valor: O senhor vai propor?

Cid: Claro. Agora, tem outras coisas que são mais complicadas ainda. Até 2023, 10% do PIB brasileiro é para educação. Mas o município vai fazer o quê? O Estado vai fazer o quê? A iniciativa privada não conta? E o governo federal vai fazer o quê? Com quem é que está a responsabilidade? Acho que tem uma etapa posterior que é a Lei de Responsabilidade da Educação. Talvez nisso aí eles possam detalhar. Imagino que vão regulamentar o plano.

Valor: E a questão de que não falta dinheiro para a educação, mas gestão competente?

Cid: Acho que faltam as duas coisas. Falta dinheiro, ou pelo menos está mal distribuído. Falta gestão. O ministério tem um excelente orçamento. O que eu quero é sair desse dilema, como se fossem antagônicas as duas coisas.

Valor: E o corte de R$ 7 bi no orçamento do ministério?

Cid: Não foi em atividade fim. E é uma simulação. Primeira coisa: qual é o orçamento deste ano? Não tem ainda. Como é que pode falar em corte, se não temos orçamento? Eu defendo que o governo seja rigoroso no que é custeio.

Valor: O senhor estava bem convicto da decisão de ir para os EUA ao fim do mandato de governador. O que a presidente disse que o convenceu a ser ministro?

Cid: Uma coisa dependia 100% de mim. Eu estava decidido a ir. Para o ministério, eu nunca tinha sido convidado. Quando ela me convidou, ela disse "vou lhe convidar pela terceira vez". Eu disse "não, presidente, a senhora está enganada, nunca me convidou. A senhora dizia que seria bom que eu estivesse por aí e tal... a senhora está me convidando hoje e quero dizer que aceito o desafio".

Fonte: Entrevista na íntegra do Jornal Valor Econômico


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