O acesso ao ensino superior no Brasil explodiu nos últimos 55 anos, saltando de pouco mais de cem mil estudantes para os atuais sete milhões de alunos matriculados. Parte considerável dessas pessoas está nas instituições privadas e são jovens oriundos de uma nova classe média que só conseguiu a vaga na graduação devido a políticas de criação de cotas, como o Programa Universidade para Todos (ProUni).

Criado em 2005, o programa – que concede bolsas de estudo parciais ou integrais - garantiu o acesso imediato de uma parte da população destituída de capital econômico e cultural. Em dez anos, foram 1,4 milhões de bolsas ofertadas, segundo o Ministério da Educação (MEC).

Mas, ao mesmo tempo em que o MEC apresenta o ProUni como uma política afirmativa que democratiza o ensino superior, especialistas em educação e alunos bolsistas relatam uma série de problemas estruturais do programa. Entre eles, a mercantilização da educação no país – com o fortalecimento de empresas educacionais lucrativas que, recebendo renúncias fiscais do programa, buscam atender rapidamente às demandas de ingresso, sem a contrapartida da qualidade de ensino; a pouca distribuição de bolsas para cursos mais tradicionais, como medicina e engenharia, e a dificuldade de garantir condições de permanência desses estudantes de baixa renda nos cursos que exigem a compra de diversos materiais acadêmicos.

Um balanço sobre essa década do ProUni e as perspectivas do acesso ao ensino superior no país foram tema de debate na Ação Educativa na quarta-feira (29/04), que teve como convidados Wilson Mesquita de Almeida, pesquisador do tema, Marcela Rufato, coordenadora da Rede Emancipa de Cursinhos Populares, Sérgio José Custódio, coordenador do Movimento dos Sem Universidade (MSU) e Tamires Sampaio, prounista e a primeira estudante negra a ser diretora do centro acadêmico de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Falta transparência

Para os debatedores, uma coisa é certa: a falta de transparência do governo em relação aos recursos aplicados no ProUni dificulta a comprovação da efetividade do programa como política afirmativa. Não se sabe, por exemplo, quanto das bolsas ofertadas realmente foram utilizadas, e, dos alunos que ingressaram, quantos evadiram das escolas por não conseguir acompanhar o curso.

“Falta controle social do ProUni. Os dados liberados pelo MEC são genéricos e não nos permite analisar questões importantes para o aprimoramento do programa”, afirma Wilson Mesquita, autor do livro “ProUni e o ensino superior privado lucrativo em São Paulo – uma análise sociológica”.

Há dois anos a Ação Educativa tenta obter, por meio da Lei de Acesso à Informação, dados detalhados do programa, o que tem sido constantemente negado. Para Marcela Rufato, o ProUni parece uma escolha política contraditória, porque o dinheiro investido nele seria melhor aplicado na universidade pública. “Ele mexe com as perspectivas dos estudantes em relação ao ensino superior, internalizando o discurso de que o ensino público não é para ele”.

Periferia na universidade

Não há dúvidas de que o principal avanço do ProUni é garantir que a periferia esteja dentro da universidade. "Isso muda toda a perspectiva da instituição de ensino, porque as pesquisas e a forma de dar aula devem se adaptar ao novo perfil de aluno na sala de aula" diz Tamires, que, durante a educação básica, estudou em escolas públicas estaduais da zona leste de São Paulo e conseguiu ingressar no Mackenzie por meio da bolsa.

Para ela, muitos prounistas têm a sensação de não pertencer ao ambiente universitário porque a maioria dos seus colegas é branco. “A universidade ainda não é uma realidade para as pessoas mais pobres da sociedade, que têm que trabalhar muito para melhorar a renda de casa e ficam com pouco tempo para estudar", completa.

Hoje, a luta pelo acesso à universidade no Brasil é uma atualização da luta pela alfabetização das camadas populares, afirma Sérgio Custódio. "No nosso país, ter educação é sinônimo de poder. Apenas 7,2% dos brasileiros mais pobres está na universidade e isso tem que mudar. O ProUni é a maior política afirmativa do mundo, é um instrumento de luta pelo acesso à universidade", afirma o coordenador do MSU.

Fonte: Fepesp